Considerando a relevância do tema para toda a sociedade, bem como para a posição do Brasil na Rio+20, é essencial explorar esses argumentos para mostrar que ao invés de criar uma catástrofe ambiental, pela primeira vez o País está construindo uma lei florestal que visa equilibrar conservação ambiental e produção de alimentos e de energias renováveis.
O primeiro mito é que a nova lei vai incentivar desmatamento e, consequentemente, prejudicar as metas de redução de emissões de GEE adotadas pelo Brasil na Convenção do Clima. Comparado com a lei atual, o novo texto mantém as mesmas regras de conservação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal (RL).
Zoneamento -A possibilidade de os Estados reduzirem a RL na Amazônia para 50%, desde que o façam por meio de Zoneamento Ecológico Econômico, já existe no código atual. O novo texto somente prevê que os Estados que não tenham seus zoneamentos deverão aprová-los em até cinco anos.
A lei atual não permite alternativas que viabilizem o cumprimento das obrigações de APP e RL, a não ser a recomposição das áreas e, no caso da RL, a possibilidade de compensação em área localizada na mesma microbacia hidrográfica (critério que não é claro de Estado para Estado). Por isso, qualquer alteração da lei precisa criar incentivos para que os produtores rurais se regularizem.
O maior problema é a questão de reconhecer as atividades em APPs na beira de rios e nas encostas ou exigir sua recomposição. Pela regra do código atual, todas as APPs com ocupação antrópica devem ser recompostas por meio do plantio de espécies nativas. Isso significa que mais de 40 milhões de hectares teriam de ser recompostos, o que prejudicaria culturas como café, uva, maçã, arroz e pecuária de leite, além de trazer custos vultosos para os produtores.
Caminho - Como não é factível exigir a recomposição integral dessas áreas, seja pelos custos envolvidos, seja porque na maioria dos casos é possível continuar a produzir desde que sejam adotadas práticas que protejam a água e solo, o novo código aponta para o caminho do meio, e exige a recomposição parcial das áreas ao longo de rios (mínimo 15 metros de cada lado), a adoção de boas práticas nas áreas que continuarão a ser ocupadas, e, principalmente, a proibição de novos desmatamentos.
É essencial salientar que não há espaço para derrubar florestas em APPs para produção agrícola, e sim, o reconhecimento de certas áreas desde que sejam parcialmente recuperadas. Isso significará a recuperação de, no mínimo 10 milhões de hectares de florestas, o que elevará a área protegida em propriedades privadas para mais de 110 milhões de hectares.
A grande inovação do novo código quanto ao cumprimento da RL é que ao
invés de obrigar a recomposição das áreas na própria fazenda, o que
reduziria a área produtiva, os passivos de RL poderão ser compensados em
outras áreas de florestas no mesmo bioma, preferencialmente áreas
prioritárias (corredores ecológicos, áreas que se conectam com APPs, por
exemplo).
Compensação - Quem quiser recompor áreas na própria fazenda
poderá cumprir com sua obrigação. No entanto, a possibilidade de
compensar a RL é o primeiro passo concreto para dar valor à floresta em
pé. A compensação trará renda para quem tem floresta sobrando e até hoje
não recebeu nada por isso, ajudará o produtor com déficit a se
regularizar sem abrir mão da sua área produtiva, criando um mercado
florestal.
Considerando que todos os produtores que tiverem passivos diante da
lei atual terão de se regularizar perante as novas regras (recompor
parte das APPs, compensar ou recompor a RL e fazer o Cadastro Ambiental
Rural - CAR), não é correto falar em anistia ou perdão de multas. Quem
não se regularizar, ficará sujeito às penas da lei. Quem se adequar,
terá sua penalidade convertida em prestação de serviços ambientais, o
que é uma forma de incentivar a adequação. A política de
comando-controle da lei atual é ultrapassada e provou que não funciona
num país do tamanho do Brasil.
Moratória - Vale destacar ainda que desmatar legalmente ficará
cada vez mais complexo, e haverá uma moratória aos desmatamentos legais
até que o CAR seja implementado e as autorizações possam ser
concedidas. Esse tempo, que deve ser de pelo menos um ano, é importante
para que o Estado brasileiro se organize para iniciar o cadastramento de
100% das propriedades agrícolas, o que é fundamental não só para
controlar desmatamento, mas para permitir que a regularização ambiental
realmente ocorra, e para punir quem descumprir com as novas regras.
O argumento de que após a aprovação do novo código haverá uma
explosão no desmatamento, pois os produtores vão tentar mudar a lei
novamente, é absurdo. As flexibilidades para cumprir com as APPs e RL
somente poderão ser utilizadas por quem desmatou até julho de 2008, e
novos desmatamentos ficam proibidos na propriedade em questão.
Além disso, a nova lei prevê que, para desmatar, o produtor deverá
ter o CAR e suas obrigações de APPs e RL em ordem, e não poderá ter
áreas abandonadas na fazenda. Quem desmatar contrariando a nova lei será
obrigado a recompor a RL na própria fazenda, e não terá os incentivos
para se regularizar.
Desmatamento - Vale ainda dizer que as metas de redução de
desmatamento adotadas pelo Brasil em 2010 junto à Convenção do Clima,
preveem que, em 2020, o desmatamento na Amazônia estará na casa de 3.907
km2. Hoje, esse número é menor que 6.000 km2, e num cenário sem lei,
pois o código atual não é implementado. O desmatamento tende a cair cada
vez mais, e não só a meta será cumprida, mas o novo código também.
Dessa forma, é importante ponderar que aplicar o código atual como muita gente defende, é uma utopia. E isso seria verdade em qualquer país do mundo, a não ser que o Estado gastasse bilhões de dólares e aceitasse reduzir a produção de alimentos. O novo Código Florestal fundamenta-se na realidade. Reflete um grande acordo entre o campo produtivo, de norte a sul, e o meio ambiente.
Passou da hora de o Brasil ter uma lei florestal balanceada e dos produtores serem descriminalizados. É assim no mundo todo, onde as poucas florestas são bancadas pelos governos, porque não pode ser assim no Brasil, onde os produtores possuem florestas nas fazendas e conservam milhões e milhões de hectares?
Rodrigo C. A. Lima é advogado, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e pesquisador da Rede de Conhecimento do Agro Brasileiro (RedeAgro - www.redeagro.org.br); email: rlima@iconebrasil.org.br
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